quarta-feira, 20 de abril de 2011

Lidando com a Vida

Com essas palavras o advogado Antônio de Araújo Chaves, inicia o seu livro “Lidando com a Vida”, editado e impresso pela Gráfica e Editora Brasília Ltda, Campo Grande (MS), 2009.

“Quando me lembro que não somos capazes de entender a dimensão do Universo, nem a noção de infinito; quando me dou conta de que a existência do ser humano é tão breve quanto insignificante perante o Cosmo; ou que não temos a certeza nem da origem do planeta que habitamos, ou dos riscos de desaparecimento que ele corre; ou ainda, quando noto que o destino da humanidade e de toda e espécie de vida na Terra está à mercê de forças incontroláveis da Natureza; enfim, quando fatos dessa ordem emergem à minha lembrança, percebo o quanto é ridícula e sem sentido a arrogância humana e fico alarmado vendo espertalhões de toda cepa fundarem negócios para explorar a ignorância coletiva.

Ante o enigma da vida o homem deveria ocupar-se exclusivamente de ser feliz, porque depois de sua brevíssima existência, dele nada restará. A Natureza e a espécie humana não sentirão a sua falta.”

Conheço um pouco da trajetória de vida do Chaves, que nasceu em Nioaque (MS), no dia 11 de maio de 1.939, e que iniciou sua carreira de advogado em 1968, quando instalou seu escritório em Aquidauana (MS). Eu ainda era estudante secundário e tive a oportunidade de assistir um júri do qual participou brilhantemente como advogado de defesa. Interrompeu sua carreira em 1970, por questões políticas, retornando em 1973 na cidade de Campo Grande (MS), conforme narrou nesse livro, que pelo fato de conter pensamentos filosóficos profundos, assim como referências às religiões de um modo geral, optei por postar este seu pensamento e comentários, nos meus blogs: “Religião, Misticismo, Ordens Iniciáticas & Outros” e “Políticos, Partidos Políticos e Ideologias”.

Vejo esse seu livro como um libelo contra o nosso sistema social no qual se inserem os poderes constituídos. Registra suas memórias, confessa “mea culpa”, mostrando que ainda aprende visando colar grau como mestre da sua própria vida.

Embora eu não seja ateu por convicção íntima, não faço julgamento da sua posição como tal, porque o autor é uma pessoa respeitável por conta de suas muitas virtudes. Também por acreditar que o Homem ainda não tenha encontrado (e talvez nunca encontrará) um sistema político e de governo ideal, que funcione dentro dos primados e das aspirações de justiça igualitária, de liberdade e fraternidade, voltadas para o ser humano e para o bem comum, não tenho as mesmas simpatias pelas doutrinas marxistas a que se refere, assim como as anarquistas que outros apregoam, por não acreditar que sejam as indicadas.

A habilidade do autor no manejo das palavras, não permite que esse livro seja de leitura cansativa ou enfadonha, tanto que o li em dois tempos. De tal sorte, destaco o seguinte trecho da sua obra, que constitui um J’accuse (Eu acuso) como no artigo redigido por Émile Zola quando do caso Dreyfus e publicado no jornal L'Aurore do 13 de janeiro de 1898 sob a forma de uma carta ao presidente da República Francesa:

“Consterna-me observar que por culpa de gerações precedentes e principalmente por omissão das autoridades públicas, a juventude de hoje, principalmente a urbana, acha-se atordoada e sem rumo.

Salvo alguns poucos jovens que adquirem conhecimentos técnicos específicos e elevados e por isso ocupam espaços no setor empresarial, na pesquisa científica, no trabalho intelectual e no setor público de alto nível ou no esporte, a grande massa dos jovens de hoje é constituída de seres alienados, apáticos, ignorantes que vivem à deriva, na marginalidade, sem qualquer projeto de realização pessoal e por essa razão muitos deles envolvem-se com a criminalidade ou com a prática de atos anti-sociais. Esse envolvimento ocorre até com alguns jovens que estudaram e tem algum emprego mas foram criados sem senso de responsabilidade.

São jovens alienados, com pensamentos homogêneos, massificados em quase tudo, isto é, gostam do mesmo gênero musical; têm os mesmos ídolos ou pelo menos ídolos com o mesmo perfil social; as mesmas preferências quanto ao vestuário; gostam de tudo que seja eletrônico e digital; em geral são agressivos; curtem as mesmas diversões noturnas; em regra consomem alguma espécie de droga; aliviam suas tensões e inconseqüentes revoltas destruindo bens públicos e privados e nunca se articulam para uma ação socialmente valiosa ou positiva. São inseguros, vivem agrupados ou em bandos porque não agüentam olhar para si mesmos. No bando, eles confortam, se apaziguam ante a homogeneidade das suas desgraças e da pobreza moral da qual eles têm relativa consciência.

Essa funesta deterioração social que parece não incomodar a maioria das pessoas, especialmente os educadores, vem ocorrendo ao longo de muito tempo e se ampliando numa progressão aritmética preocupante. Cada geração que segue a outra aprofunda essa massificação, despreza mais fortemente a cidadania e dela se afasta cada vez mai. Seguramente, esse fenômeno social requer a atenção do Estado por via das suas instituições educacionais, coisa, entretanto, que parece longe de acontecer.

Na outra ponta desta mesma sociedade e igualmente exigindo a atenção do Estado encontra-se a legião dos desprovidos de educação escolar e social, dos sem moradia, dos desempregados, enfim, de todos aquele que não têm meios para promoverem a sua ascenção social sem auxílio do Poder Público e às vezes nem com este auxílio.

Embora as reivindicações sócias destas hordas de indivíduos feitas às autoridades públicas sejam justas e legítimas, os meios violentos e irracionais por elas utilizados, mercê das orientações políticas e operacionais que recebem das suas lideranças visíveis e camufladas, induzem-nos a acreditar que elas na verdade pleiteiam, com vaga consciência, a desagregação social e a anarquia.

Aqui, o afrouxamento moral ocorrido na infância dos integrantes dessas hordas é seguramente o deflagrador das barbáries, das suas ações desnecessariamente predadoras. A essas hordas que se denominam de sem terra, sem teto, índio, etc., se juntam aventureiros de toda espécie. Na luta pela qual se dizem empenhadas, essas hordas desprezam o apoio da sociedade que inclusive afrontam ao cercearem direitos primários do cidadão como o da livre circulação, compelidas pelos seus ódios irreprimíveis e pela falta de discernimento.”

Seguindo adiante o autor fala que “O Poder Judiciário no Brasil vem erodindo velozmente com o tempo, embora seja verdade que foi o último dos três Poderes da República a se conspurcar. Mas hoje, a gravidade da endemia que contaminou o coloca em pé de igualdade com o Executivo e o Legislativo, tanto na corrupção quanto nas distorções de toda natureza.”

Reclama, por conseguinte, com a sua experiência de 40 anos de militância como advogado, ser necessário que se promova um reforma profunda e estrutural do Poder Judiciário, assim como das arcaicas normas de regência processual e de organização judiciária que são responsáveis em parte por sua ineficiência, atribuindo responsabilidades mais claras e diretas para os que o integram, porque esse Poder é o último instrumento, na ordem constitucional de defesa dos direitos do cidadão, tendo, portanto, que ser confiável e gozar de respeito da sociedade, sob pena de não justificar a sua existência.

O autor discorre também sobre os Partidos Políticos e os Políticos, que já não gozam da confiança do eleitor, dada a corrupção que grassa nesse meio. Fala da falta e da necessidade das políticas públicas e que na década de 60 os estudantes assumiam responsabilidades políticas e sociais no país, lutando pelos interesses coletivos e que hoje não mais atuam politicamente organizados, agindo, porém, como predadores indisciplinado e agressivos, sem nenhuma preocupação com o bom funcionamento das instituições as quais até depredam seguros da impunidade.

Outros crimes que estão se tornando corriqueiros, como por exemplo, acontecem com as invasões de terras de propriedade privadas (rurais e urbanas) e de repartições públicas, porquanto as autoridades são lenientes e indulgentes. O desrespeito para com as leis por meia dúzia de sem-terra, de sem-této ou de índios, se deve à apatia e até pela cumplicidade das autoridades públicas.

O autor confessa ser refratário às religiões, porquanto pregam uma coisa e fazem outra.

Assim é que o livro do Dr. Antônio de Araújo Chaves é um convite para uma boa leitura e indicado para servir de motivo para reflexão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário