“Nota Pública
A Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe, entidade de
classe de âmbito nacional da magistratura federal, considerando o teor de nota
pública emitida pelo Partido dos Trabalhadores – PT a propósito do julgamento
da Ação Penal (AP) 470 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), vem manifestar-se
nos seguintes termos:
1. O julgamento da AP 470 pauta-se pelo respeito aos princípios
constitucionais garantidores de um processo penal justo, especialmente o
contraditório e a ampla defesa.
2. Trata-se de julgamento técnico, tendo todos os votos sido
devidamente fundamentados em seus aspectos fáticos e jurídicos, como determina
a Constituição Federal.
3. É de se destacar, por necessário, que, dos ministros que
participam do julgamento, oito foram nomeados pelo ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva ou pela presidenta Dilma Rousseff, o que comprova a independência
desses ministros em relação a quem os nomeou.
4. A independência da magistratura
é garantia fundamental do Estado Democrático e os ministros do STF deram
mostras disso, honrando o Poder Judiciário brasileiro.
5. A irresignação quanto às penas
que vêm sendo aplicadas é perfeitamente compreensível dentro do contexto e, por
essa razão, a crítica do PT deve ser recebida como expressão de inconformismo,
no exercício da liberdade de expressão. Nada mais do que isso.
6. A Ajufe acredita que o
julgamento da AP 470 deve ser recebido dentro da normalidade do Estado
Democrático de Direito, não havendo espaço para a politização da matéria.
Brasília, 16 de novembro de 2012.
Nino Oliveira Toldo
Presidente da Ajufe”
CONHEÇA O TEOR DA NOTA DO PARTIDO
DOS TRABALHADORES (PT), QUE DEU ORÍGEM À NOTA PÚBLICA DA AJUFE:
“O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470
O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e
torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no
julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a
alguns de seus filiados.
1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a
possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes,
portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da
cidadania internacionalmente consagrado.
A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente,
o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios
ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e
julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais
comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes
das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da
União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.
Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no
início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo
STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do
PSDB” de Minas Gerais.
Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas
desigualmente.
Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF
votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado
fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de
julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.
Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de
vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios
jurídicos para se defenderem.
2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas
no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das
provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e
desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do
STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos
réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios
em provas.
À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e
conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se
trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se
sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de
fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são
que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.
Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus
processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que
seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência
ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema
Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.
3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista,
em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por
diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem
executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade
de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento
do crime seria suficiente para a condenação.
Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os
ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência
que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou
diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles,
não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da
doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu
tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…
Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito
do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de
alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.
Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para
atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente,
atingir o partido a que estão vinculadas.
4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do
garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de
presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro
independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos
de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.
Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros
julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais
seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.
Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de
qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas
indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos
políticos de caciques partidários locais.
Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até
mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e
previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade,
movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas
mudanças na Carta Magna.
Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que
foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica
exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado
Democrático de Direito.
5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora—cujos veículos cumprem
um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT –
ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à
imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas
reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre
os poderes.
Único dos poderes da República cujos integrantes independem do
voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo
Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do
exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.
Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente
com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher
a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.
Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional
contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios
de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não
assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.
No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem
representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros
transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público
e compra de votos).
Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o
qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias
constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas,
condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu
para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que
houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de
votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.
Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente
desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E
inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da
condenação.
Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do
Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública,
muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada
com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo
Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu
viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse
no resultado das eleições.
A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do
Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e
ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um
sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do
projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não
justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes
que emanam do povo.
Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil,
muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no
partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário
duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária.
Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade,
pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições
de vida dos mais pobres.
A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma
elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria
extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.
Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a
6a.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a
ninguém.
Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma
sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem
tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não
houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem
apropriação privada e pessoal.
Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso
Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.
É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa
intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente
condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio.
Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o que
inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior
democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra
arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação
às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.
Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de
nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às
lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em
favor da igualdade e da liberdade.
São Paulo, 14 de novembro de 2012.
Comissão Executiva Nacional do PT.”